segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Ton Geuer


Ele é holandês, já foi São Nicolau e Holambra era seu destino quando deixou a Bolívia no início dos anos 60 / Edição Nº 724 - 02/01/2009



Geuer, em seu ateliê em Barão Geraldo


Em 1959, 21 anos após se mudar com seus pais e irmãos para a Bolívia, o holandês Ton Geuer viu uma revista que mudaria a sua vida: estampada na capa, a foto de uma irmã da Congregação Lúmen Christi, rodeada por crianças loiras e morenas, contava a sua história em Holambra, onde, entre outras atividades, dava aulas de cerâmica.

Após avaliar os prós e contras com sua família – a esposa holandesa Catharina, com quem casou em 1954 na Bolívia e com quatro filhos – Ton pegou o Trem da Morte em Santa Cruz de La Sierra e chegou a Corumbá (MS).
“Foi a primeira vez que me senti em casa”, desabafou Geuer, ao lembrar das cerca de 10 mudanças por cidades da Holanda e Alemanha até chegar à América, em 1938, aos 16 anos, sempre acompanhado por seus pais. “Saímos da Alemanha para ficarmos longe do nazismo, pois meu pai já tinha até protestado contra a queima de livros”, lembrou, ao frisar que a mudança não foi uma fuga.
“Meu pai conhecia um pároco holandês que estava em missão na Bolívia e logo após avaliar as condições do país, fomos para a América”, disse. E ao chegar na Bolívia, a tradição artística da família quase deu lugar a outra ‘ocupação’: eles vieram pela agricultura, mas como o local não propiciava a plantação, a arte reinou e Ton aprendeu a fundir vidros, a fazer cerâmica, mas achava que não tinha talento como seu avô, pai e irmãos.
Ao casar, o sogro incentivou o investimento em laticínios e por algum tempo se manteve entre queijos e iogurte. O empreendimento cresceu, passou a faltar leite na cidade, veio a concorrência e, fi nalmente, Ton viu a revista sobre Holambra.
“Conhecendo a tradição do gado holandês, a intenção era me mudar com minha família para o Brasil, morar próximo de Holambra para facilitar a compra de leite e vender os produtos em São Paulo”, resumiu. Veio conhecer o Brasil sozinho no começo de 1960, chegou primeiro em Corumbá, onde se sentiu feliz por falar e ser entendido em castelhano, visitou o consulado holandês em São Paulo e colocou um anúncio no jornal de Campinas oferecendo seus serviços nas áreas de latício, cerâmica e vitrais.
Ao arrumar um emprego, vendeu tudo que tinha na Bolívia, passou a fábrica para o cunhado e veio para Campinas em outubro de 1960 com a esposa e quatro fi - lhos – aqui eles teriam mais dois.
Mas o emprego garantido não deu certo e Ton ‘peregrinou’ muito até se fi rmar como um dos vitralista mais conhecidos do Brasil: sem emprego, foi a Pedreira – devido ao ramo de atividade – e lá conheceu o Padre Nilo, que o apresentou a um holandês de sobrenome van Schelle – da Fazenda Pau d`Alho – e, posteriormente, o vitralista chegaria a Charles Hogenboom, o qual lhe deu conselhos sobre investimentos.
“Cheguei até a me candidatar para uma vaga no sul, mas quando cheguei lá já era tarde”, disse, ao lembrar que o emprego era em uma fábrica de laticínio, hoje Batavo. Sem o emprego em Carambeí, Ton procurou os padres da Paróquia São José, que eram holandeses, na Vila Industrial, em Campinas, e que conheciam a tradição de sua família com vitrais e foi incentivado a apostar nesta área. Para encoraja-lo, os padres apontaram que tinham materiais em Holambra.
“A máquina de chumbo estava em um ferro velho de Holambra, pois ninguém sabia para que ela servia”, lembrou, ao apontar que se encontrou com o padre de Holambra, com o qual idealizou os vitrais da igreja Divino Espírito Santo – os primeiros sete dias da criação –, projeto que sairia do papel muitos anos depois.
Os primeiros trabalhos de Ton foram para a igreja São José, em 1962, mas os vitrais foram destruídos por uma chuva em 1971. Durante este tempo, Geuer deixou sua primeira casa em Campinas, no bairro Taquaral, e abriu um ateliê em Barão Geraldo, onde trabalha até hoje ao lado da esposa, fi lhos e estagiários. Nos primeiros anos, Ton conciliou arte com queijos e aulas de cerâmica para imigrantes.
E para descontrair, até aceitou o convite para ser São Nicolau em Holambra. “Quando ele desceu do cavalo, falei para a minha mãe: olha, São Nicolau tem os mesmos sapatos que o papai”, contou uma das fi lhas.
“Eu era muito tímido e acho que não me saí muito bem ao responder as perguntas das crianças”, disse Ton, ao avaliar sua primeira e única experiência como São Nicolau. Outro obstáculo encontrado por Ton foi a concorrência, mas aos poucos seu nome passou a ser referência para aqueles que procuravam um vitralista. Um episódio que ajudou a projetar seu nome foi uma ‘exposição’ em um congresso de padres.
“Todos pediam orçamentos, mas não conseguia trabalhos. Em 1966 estava com as malas prontas para voltar para a Europa, quando um padre de Ribeirão Bonito me procurou para a execução do projeto que tinha orçado meses antes”, recordou.
De lá pra cá, o nome de Ton Geuer é sinônimo de qualidade no ramo e seus trabalhos podem ser conferidos em diversas igrejas de Campinas e do Brasil, entre elas Divino Salvador (Cambuí), Nossa Senhora Aparecida (Proença), Nossa Senhora de Fátima (Taquaral), Santa Tereza (Parque Industrial), São José (Vila Industrial), Santa Isabel (Barão Geraldo), Rosário (Castelo), Cristo rei (Chapadão), Igreja Quadrangular Presbiteriana (Centro), Capela do Liceu (Taquaral), Igreja São Roque (Vila Industrial) e Capela do Colégio São José e muitas cidades do Brasil todo .
E entre os trabalhos, uma curiosidade: no começo, os vitrais eram construídos a partir de vidros adquiridos em casas demolidas e, com os anos, Geuer conseguiu comprar – e até fi rmar parceria – com um antigo concorrente que foi à falência. E o mais curioso e criativo: a execução do projeto da capela da Escola de Cadetes. “Os vitrais eram todos azuis e não tinha vidro para construí-los.
A saída foi o Leite de Magnésia”, disse, entre sorrisos, ao contar que ‘pagava’ a criançada para conseguir os vidros vazios pelas ruas e que este ‘segredo’ foi revelado após muitos anos. Para quem tem dúvidas, completou, basta visitar a capela. “Foram utilizados 2,6 mil vidros de Leite de Magnésia”, reforçou, ao citar o remédio que, hoje, é comercializado em frascos de plásticos azuis.
Residências Os vitrais estão além das igrejas e com o vidro Ton faz inúmeras peças decorativas, desde portas, abajures, lustres, biombos e janelas para residências até pratos e porta-guardanapo.
“A região de Campinas é uma das mais utilizam esta arte”, disse, ao frisar que os vitrais suavizam o ambiente ao proporcionar a luz indireta. O primeiro passo para quem pensa em decorar sua casa é escolher o motivo – fl oral ou geométrico, por exemplo –, as cores e o tipo de vidro. E Ton adianta: seus projetos fi cam mais bonitos quando tem liberdade para criar. “Com papel e lápis, desenho o projeto e depois acrescento as cores para aprovação do cliente.
Quando aprovado, o desenho é refeito em tamanho natural para fazermos os moldes que serão utilizados para cortar os vidros”, resumiu, ao explicar que depois é feita a montagem, solda com estanho e veda. Aos 88 anos, completados esta semana, Ton Geuer calcula já ter realizado mais de 200 vitrais para igrejas e mais de 1.500 para residências. Ele mesmo é o designer e junto com a equipe executa os seus trabalhos.
Vive para criar, projetar e restaurar obras de arte. Dentre os muitos restauros, destaca-se uma clarabóia de 25 metros de diâmetro que foi enviado a ele, nos anos 70, em 24 caixotes de madeira. A restauração foi feita em dois meses e foi um dos primeiros trabalhos ‘bem remunerados’ de Geuer.
A obra pertence ao Grande Hotel de Araxá (MG). Ton foi também professor da disciplina Vitral, da Faculdade de Artes da PUC-Campinas. Para os interessados em conhecer os trabalhos de Ton Geuer, o ateliê fi ca em Barão Geraldo, na rua José Martins, 1549,Vila Santa Isabel. Ton Geuer também expõe, há cinco anos, na Expoflora.

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